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Reimont Otoni: “A rua não é lugar para se viver ou morrer”

O coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da População em Situação de Rua aponta os desafios da restauração de cidadanias fraturadas pela falta de moradia.

A população em situação de rua é, há muito tempo, um desafio para gestores de grandes centros urbanos. Ainda que políticas de habitação tenham avançado no sentido de garantir moradia digna a famílias de baixa renda, a demanda histórica não só permanece grande, como se agrava: segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nos últimos dez anos, a população de rua cresceu 211% no Brasil. Só na pandemia da covid19, o aumento foi de 39%.

Na última quinta-feira, 14/09, o Soberania em Debate, programa semanal do movimento SOS Brasil Soberano, recebeu o deputado federal Reimont Otoni, com o objetivo de responder à pergunta que foi o tema da entrevista: População em Situação de Rua, invisível até quando?

Reimont fez da luta pela cidadania e vida digna para essa parcela da população uma de suas principais bandeiras na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Seu mandato produziu o texto da Lei 6350/18, legislação que institui a Política Municipal para a População em Situação de Rua. Agora, no Congresso, Reimont coordena a Frente Parlamentar Mista em Defesa da População em Situação de Rua, que reúne parlamentares de diferentes estados e partidos em um esforço conjunto pela implementação de políticas públicas que enfrentem efetivamente o problema. 

“A Frente, instalada em junho, é um espaço de discussão política não apenas para a população em situação de rua, mas com ela. Seguimos a máxima ‘nada sobre nós sem nós’. Ou seja, para discutirmos os temas, promover legislações para atender as demandas dessa população, a escutamos e a incluímos no processo. A Frente ajuda os parlamentares em seu papel de fiscalizar o Poder Executivo para que políticas públicas aconteçam na ponta, na vida das pessoas em vulnerabilidade”, explica o deputado.

Reimont destaca que o direito de morar, garantido pelo sexto artigo da Constituição, é um direito que viabiliza outros vários e que, embora trate da moradia, no caso da população em situação de rua, a luta precisa passar não pela secretaria de Habitação, ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal ou pelo ministério de Assistência Social, mas pelo ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. “É um movimento nacional que tem como objetivo fomentar a discussão política sobre tema e propor caminhos. Tudo que temos realizado fez, por exemplo, com que o ministro Alexandre de Moraes impusesse um desafio aos governos brasileiros. Os governantes terão que apresentar, por decisão do STF, em um prazo de 120 dias, um plano de trabalho para construir políticas públicas para a população em situação de rua”, aponta o deputado.

“Cada um de nós, deputados do Rio, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Distrito Federal, temos a tarefa de levar ao Poder Executivo em nossos estados, a governadores e prefeitos, e a vereadores em cada cidade grande onde há a incidência de população de rua, a importância da produção de legislação para esse segmento da sociedade”, destaca Reimont.

A esperança trazida pelo PAC

Diferente do governo anterior, o compromisso com as parcelas mais pobres da sociedade, assumida pelo governo Lula, tem trazido esperança para aqueles que se dedicam à busca da garantia do direito de morar. “O que o governo Federal fez em relação à ocupação Vitto Gianotti e o que vai fazer em relação aos prédios ocupados no Rio de Janeiro, nenhum governo fez antes. O presidente Lula, seus ministros e nós, no parlamento, estamos com a gana de resolver a questão habitacional no país. Se os prefeitos se organizarem, eles podem eliminar o déficit habitacional em suas cidades”, destaca Reimont.

O deputado lembra que, enquanto o governo anterior tinha em seus planos a venda de mais de 2400 imóveis no Rio de Janeiro, hoje, grande parte desses apartamentos serão destinados a moradias de interesse social, incluindo pessoas em situação de rua. “O programa Minha Casa Minha Vida é revolucionário e o PAC tem recursos infindáveis para a discussão do direito à moradia”, comemora.

Conhecendo a população em vulnerabilidade

Conhecer a população que vive nas ruas das grandes cidades é fundamental para a criação de políticas públicas eficientes, endereçando suas particularidades e demandas específicas. As pesquisas sobre essa população foram suspensas durante o governo Bolsonaro, uma forma de, segundo Reimont, não ser obrigado a agir. “Paulo Guedes não queria fazer o censo. Não queria fazer perguntas à população. Isso é típico de quem acha que  é dono do país.  Não queria perguntar pq quando pergunta, há uma resposta e, aí, tem que fazer política pública. Não saber o que está acontecendo é uma forma de não se responsabilizar”, apontou.

Com planos para um encontro com o professor Marcio Pochmann, presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Reimont quer que a pesquisa sobre a população em situação de rua, já realizada no Rio de Janeiro e São Paulo, passe a ser nacional, dando contornos mais sólidos à questão e municiando parlamentares de informações para a criação de políticas públicas. A ideia é ir além da quantidade e gênero, traçando um perfil mais detalhado dessa população. 

“Já temos alguns sinais, graças ao governo de transição, que abordou o tema. O perfil desta população é o mais diverso possível. Temos pessoas com adoecimento mental, outras que apenas perderam o rumo de suas vidas ou foram abandonadas por parentes. Há também os usuários de álcool e outras drogas”, destaca o parlamentar. “Embora a visão da sociedade, equivocada, pense toda a população de rua como pessoas perigosas e usuárias contumazes de drogas, na realidade, diversos perfis compõem esse grupo, acompanhando a diversidade da sociedade brasleira”, aponta.

Desafios e caminhos

Embora o próprio descumprimento do direito à moradia já seja grave, há impactos que a condição impõe, complicando ainda mais a vida de quem mora nas ruas. Há, ainda, uma parcela que acessa renda, mas está nas ruas por deficiências da própria mobilidade urbana. “Nas ruas há pessoas que trabalham em restaurantes no centro urbano mas, quando chega a noite, não têm para onde ir. Quando a moradia fica a 70 Kms do trabalho, muitos precisam dormir debaixo de uma marquise durante a semana, indo em casa apenas nos finais de semana”, aponta Reimont.

Com perfil heterogêneo, a população de rua reproduz, inclusive, os preconceitos da sociedade em geral. “Nas ruas você tem comunidade LGBTQIA+. de mulheres, de crianças, de famílias inteiras. Nesse aspecto vale a mesma máxima da sociedade: quem é mais pobre também sofre mais a mão pesada da vulnerabilização. Também entre eles há opressão, que é fruto da sociedade capitalista que entende o ser humano apenas como aquele que produz”, aponta Reimont. 

O deputado destacou, ainda, o recorte de gênero envolvido na questão: muitas mulheres contam que a sua luta como moradoras de rua, é triplicada. “Elas relatam que são agredidas quando se negam a ter relações sexuais e precisam fugir. Caso cedam, passam a ser assediadas por mais pessoas e podem ser mortas se recusarem. “Como pensar a solução para esses problemas senão pela moradia, abrigamento adequado, pelo acolhimento, pelo fortalecimento dos Centros de Referência Especializados para a População em Situação de Rua, das residências terapêuticas? Há uma complexidade muito grande, é um desafio, mas temos no congresso parlamentares que têm jogado luz sobre o tema e movimentos da sociedade civil trabalhando conosco. Essa é uma demanda da sociedade toda e é com ela que buscamos a cidadania plena para aqueles que estão com a sua cidadania fraturada, contrariando o princípio básico da Constituição brasileira, que diz que toda mulher, todo homem, é cidadã e cidadão”.

Clique aqui para assistir a entrevista.

 

Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil