Maior mobilização e teletrabalho marcam negociações sindicais na pandemia
As ferramentas de comunicação a distância aumentaram a participação dos profissionais. Para os acordos coletivos deste ano, o Senge RJ elaborou cláusulas específicas para proteger os direitos de quem passou a trabalhar em casa.
A crise econômica e sanitária tornou mais difíceis as negociações sindicais em 2020, mas, por outro lado, aumentou a participação dos profissionais nas assembleias com a utilização de plataformas virtuais. “Chegamos a realizar assembleia com uma participação de, aproximadamente, 90% do quadro de pessoal, como foi o caso da assembleia para aprovação do ACT no ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico)”, afirma Paulo Granja (foto), diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), que integra o coletivo de negociações. Para este ano, um dado novo nas relações com os empregadores será a inclusão, nas pautas de reivindicações, de cláusulas para proteger direitos relacionados ao teletrabalho.
“O cenário crítico exigiu mais união, e o aperfeiçoamento da comunicação e dos instrumentos de representação virtual contribuiu para viabilizar o aumento da mobilização, ainda que feita à distância”, diz Granja. “Em 2021, esperamos a ampliação constante da presença da categoria. É fundamental estarmos juntos para enfrentar uma realidade que continua desafiadora, com o avanço da pandemia de covid-19, do desemprego e das reformas que cortam direitos.”.
Teletrabalho
Nesse sentido, a experiência do trabalho a distância, ou home office, revelou a urgência de critérios e parâmetros para assegurar ambientes seguros e condições saudáveis para o desempenho profissional. “Estamos investindo em cláusulas que possam regular o trabalho em casa da forma mais adequada aos interesses dos trabalhadores, até porque esse regime a distância tende a perdurar, em muitos casos, para além da pandemia”, ressalta diz Granja. “Fizemos um estudo jurídico e político bem cuidadoso, para formular demandas que atendam às novas exigências do profissional que passou a trabalhar em casa.”
Todas as negociações, por isso, preveem, este ano, cláusulas específicas para o teletrabalho. De acordo com Granja, essas reivindicações cobrem aspectos como ajuda de custo, treinamento para o desenvolvimento da atividade, sistema de fiscalização e avaliação – para evitar assédio moral ou sobrecarga –, saúde ocupacional.
Em 2020, o tema já havia constado dos acordos coletivos, mas de forma ainda incipiente, em geral tratando apenas do compromisso em buscar uma regulação por meio de normativos internos. No ACT com a CPRM, por exemplo, uma cláusula estabeleceu a criação de uma comissão para debater o tema; no ONS, foram garantidos princípios básicos a serem detalhados internamente; na EPE, houve compromisso da gestão em elaborar norma em diálogo com os sindicatos e a comissão de empregados.
“Agora é hora de avançar em direitos objetivos”, explica o diretor do Senge RJ. “Juntamos experiências de companheiros em várias empresas e sistematizamos em cláusulas muito consistentes. As empresas devem resistir, mas não há como negarem que o teletrabalho implica aumentos de gastos para o profissional, com energia, internet, mobiliário correto. Muita gente não tem espaço e equipamento adequados também por falta de recursos para financiar essa adaptação.” Recentemente, a IndustriAll, que representa mais de 50 milhões de trabalhadores em mais de 140 países, assinou um adendo ao acordo-global 2019, firmado com o fabricante francês de automóveis Renault, especificando as condições amplas para trabalho remoto (leia aqui).
Cota negocial
A grande participação virtual em assembleias e votações deve continuar mesmo depois da crise sanitária, provavelmente em modelos híbridos de reuniões, acredita diz Granja. Além disso, as ferramentas digitais permitiram exercer online o direito de oposição, um avanço para o debate sindical, na opinião do dirigente, para o debate sindical.
Antes da implementação do direito de oposição online, no entanto, quem não quisesse ter o desconto em folha, precisava escrever uma carta e levá-laar ao sindicato pedindo a suspensão da cobrança. Agora, esse procedimento está disponível noa site do Senge -RJ). A funcionalidade Isso responde, por um lado, à crise sanitária, mas, por outro, é expressão da posição do sindicato de que a contribuição com a entidade deve ser feita por convicção e não pela imposição de dificuldades. Mudanças tecnológicas recentes possibilitaram, finalmente, a adoção desse novo sistema. Da mesma forma, para os que concordam com a cota, o depósito pode ser feito diretamente para o sindicato, sem passar pela empresa nem pela folha de pagamento dos empregados.
“Essa mudança qualifica o debate sobre a importância e o papel do sindicato”, avaliaacredita Granja. “A cota negocial não é uma contrapartida relacionada a uma negociação em particular, ou a um determinado reajuste. Trata-se de uma das fontes de sustentação do sindicato, independentemente do resultado obtido junto a cada empresa ou setor. É um pilar para dar conta de parte dos custos de infraestrutura, corpo funcional, prestadores de serviço. A melhor expressão para o fundamento da atividade sindical parece um clichê, mas é real: unidos somos mais fortes. ”
Granja destaca, ainda, os investimentos feitos na melhoria do cadastro para intensificar a comunicação com a base. “Não é um trabalho fácil. Ter um cadastro em dia requer acompanhamento permanente para saber quem se aposentou, saiu da empresa, entrou. Paralelamente à melhoria desses dados, o Senge RJ está trabalhando com grupos de WhatsApp de representantes dos trabalhadores por empresas, que ajudam a redistribuir as informações.”
Balanço das negociações
No início deste ano, a despeito da complexidade do cenário político e social, a atuação de engenheiros e engenheiras resultou em pelo menos uma vitória importante, na Kempetro. Em 2020, a empresa fez acordos individuais para redução proporcional de jornada e de salários, complementados pelo Estado, com base na Medida Provisória 936/2020, editada com o propósito de proteger vínculos empregatícios na crise. Mas a MP só foi prorrogada recentemente, e, como a Kempetro insistisse em manter, em janeiro, as reduções proporcionais mesmo sem amparo legal e contrapartida financeira do governo federal, os trabalhadores chegaram a votar uma paralisação. “No entanto, a empresa recuou”, conta Deborah Gershon, assessora de Negociações Coletivas no Senge RJ. “Conseguimos que as jornadas não fossem reduzidas e os profissionais, cerca de 300 engenheiros, mantidos.”
De março a dezembro, mais de 20 empresas entraram em contato com o Senge RJ para reduzir a jornada de trabalho e o salário, com base na MP. Acordos coletivos foram firmados com algumas empresas. Mas, nos acordos individuais, não houve a assinatura formal do sindicato, que, contudo, colaborou analisando os termos e ouvindo as partes envolvidas.
“Só fechamos acordos quando conseguimos incluir neles benefícios superiores aos que a MP oferecia”, explica Deborah. “Por exemplo, proteção sanitária para casos de trabalho presencial, garantia de emprego estendida, etc. O benefício do ACT só faria sentido com uma contrapartida interessante para o trabalhador.”
No ano passado, foram assinados acordos com a Cedae (reajuste retroativo de 2%); Enel (reposição integral da inflação mais abono de 14%, em janeiro de 2020 e também em janeiro de 2021, com adicional de R$ 2.850,00); Light (1,20%, com indenização de R$ 375,00 e abono de R$ 1,4 mil) e Sinaenco (2,46% a partir de janeiro de 2021) e ONS (reajuste com base no IPCA do período entre datas-base, de 2,94%, mas escalonado, com pagamento de abono de 30% para quem não recebeu o reajuste e de 10% para aqueles que receberam apenas metade do IPCA).
No caso da Eletrobras, chegou-se a um reajuste de 2,4%, relativo ao período de maio de 2019 a abril de 2020, aplicados, no entanto, a partir de 1º de dezembro de 2020. Conquistou-se, ainda, a reposição integral da inflação do período de 1º de maio de 2020 a 30 de abril de 2021. O reajuste deve ser aplicado apenas em outubro deste ano, garantida sua retroatividade a maio. Essa correção, no entanto, está condicionada ao início da adequação dos benefícios de assistência à saúde das empresas do grupo Eletrobras à Resolução CGPAR nº 23/2018, que impõe maior participação dos empregados no plano.
Nos casos da CET-Rio, Comlurb e Crea-RJ, os acordos anteriores foram prorrogados porque as empresas não negociaram. Com a CPRM, a EPE e a INB, embora os ACTs tivessem sido aprovados em assembleia, os reajustes foram suspensos por determinação da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), sob alegação de que a lei complementar 173/2020 proíbe aumentos de despesas federais até dezembro de 2021. “Mas conseguimos manter as cláusulas dos benefícios dos acordos anteriores em mesa de negociação”, diz Deborah. Apenas o acordo com a INB foi concluído por meio de mediação do Tribunal Superior do Trabalho (TST). processo judicial.
Com o avanço da pandemia no país, a falta de perspectiva de retomada econômica ou de investimento público, as negociações este ano continuarão difíceis, adverte valia Granja. “O lema para 2021 é resistir sempre, desistir, jamais. E para isso é da maior importância ter a participação ampla dos profissionais da engenharia.”
Foto: arquivo Senge RJ