Grupo de 50 entidades cria Rede para defender melhoria e acesso a saneamento básico
Piora no abastecimento de água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, após a privatização da Cedae, motivou a reação política de organizações que defendem a universalização dos serviços, o Senge RJ entre elas.
Com informações da Rede de Vigilância em Saneamento e Saúde*
Retrocessos no abastecimento de água relatados por moradores de diversas localidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro são uma das faces da mudança estrutural na prestação dos serviços de saneamento no estado, após o fatiamento e a concessão da Cedae ao setor privado. A mercantilização do acesso à água e aos serviços de esgoto já é sentida na prática, associada à falta de transparência e de controle social sobre os planos de intervenção das concessionárias privadas. Esses e outros fatores levaram à criação da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde.
O grupo, formado em 2022, tem a participação do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) e se consolidou neste primeiro semestre de 2023, a partir de seu fortalecimento com as novas adesões de movimentos sociais, coletivos, associações de moradores, Organizações da Sociedade Civil e entidades acadêmicas. Já se uniram à Rede 50 movimentos e instituições que atuam na vigilância popular em saúde, sobretudo em territórios de maior vulnerabilidade socioambiental.
A Rede trabalha pelo reconhecimento dos serviços de saneamento como um bem comum. Ou seja, o acesso a esses serviços pertence a todas as esferas da vida e ninguém pode ser excluído. Para isso, a Rede defende a união de diferentes saberes, teóricos e práticos, o monitoramento de dados e a ação direta, a fim de promover o direito ao saneamento como parte de um serviço essencialmente público.
Além do avanço dos interesses rentistas sobre o direito ao saneamento, a Carta de Apresentação da Rede (disponível neste link e copiada abaixo, na íntegra) destaca outros problemas a serem enfrentados. "A Região Metropolitana Fluminense sofreu eventos climáticos extremos, principalmente com chuvas e estiagens que resultam em elevada vulnerabilidade hídrica. O rio Paraíba do Sul, principal fonte de abastecimento para cerca de 9 milhões de pessoas da região, tem reduzido a sua vazão devido ao assoreamento das suas margens, ao despejo de efluentes industriais e aos longos períodos de estiagem. Com essa configuração urbana, inúmeras famílias ficam desabrigadas por causa das enchentes e deslizamentos, sendo que muitas delas chegam a perder a vida em decorrência dos eventos. Dadas essas mudanças no cenário nacional e estadual, as organizações da sociedade civil que resistiram à concessão da Cedae e que lutam no enfrentamento das mudanças climáticas viram-se diante de uma oportunidade política de formar a Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde".
A releição de um governo estadual alinhado aos interesses privatistas e rentistas; a necessidade de "de exigir das autoridades a apuração e a investigação sobre a existência de irregularidades no processo de concessão da Cedae à iniciativa privada e no uso dos recursos públicos oriundos da concessão, a ausência de um plano para aproveitamento dos trabalhadores da Cedae e o início da operação das empresas privadas com problemas de toda ordem surgindo nos territórios"; e a convocação, em agosto de 2022, pela Secretaria da Casa Civil do governo do estado do Rio de Janeiro, dos Comitês de Monitoramento da Concessão dos Serviços de Água e Saneamento dos blocos 1, 2, 3 e 4, do qual fazem parte diversos membros da Rede, também impulsionaram o fortalecimento da articulação. "Dentro deste cenário, há a necessidade de reconfigurar a agenda de lutas pelo Direito Humano à água e ao saneamento na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que precisa passar da 'luta contra a privatização da Cedae' à luta pela 'reapropriação dos serviços públicos', assim como precisa superar a 'hegemonia do modelo técnico de gestão dos serviços', que é pouco adequado às áreas de assentamentos precários e à garantia da saúde pública, para um 'modelo democrático, participativo e descentralizado'. Também é urgente configurarmos a pauta de lutas pelo direito à cidade, incorporando o debate das mudanças climáticas. Assim, a reconfiguração da agenda de lutas pelo Direito Humano à água e ao saneamento exige não só a denúncia da lógica neoliberal de pilhagem dos ativos públicos e da expropriação da natureza que marca a cidade mercadoria, mas, também, de reconhecimento das práticas políticas experienciadas pela população que podem contribuir para a ressignificação do sentido do que é público e do que é direito.”
*Sabia mais no link: https://informe.ensp.fiocruz.br/secoes/noticia/45098/54002
Confira a Carta de Apresentação da Rede de Vigilância Popualr em Saneamento e Saúde
CARTA DE APRESENTAÇÃO
A Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde nasceu da vontade coletiva de manter viva a luta pelo Direito Humano à água, ao saneamento e à saúde no estado do Rio de Janeiro. A Rede foi criada em 2022, após intenso processo de resistência social à concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) à iniciativa privada, ocorrida em 2021. Ao longo deste processo, diferentes organizações da sociedade civil, instituições, movimentos sociais, coletivos, entidades acadêmicas, partidárias e apartidárias mobilizaram-se contra a mercantilização da água e do saneamento e pelo seu reconhecimento como um Direito Humano e Bem Comum!
Longe dessas perspectivas de direito e de bem comum, em 2020 ocorreu a aprovação do Novo Marco Regulatório do Saneamento (Lei n.º 14.026/2020) que promoveu mudanças significativas na Política Nacional de Saneamento (Lei n.º 11.445/2007) e incentivou a liberalização dos serviços de saneamento no país. O Rio de Janeiro, impulsionado pela articulação entre o governo do estado e o então Ministério da Economia, foi um dos primeiros estados a conceder os serviços de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto à iniciativa privada após o Novo Marco do Saneamento e seguindo a modelagem econômicacriada p elo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foi o primeiro megaprojeto de concessão do país, tanto em função do número de pessoas diretamente impactadas (mais de 13 milhões) quanto pelo valor pago pela exploração do serviço (pouco mais de R$ 22 bilhões), por um prazo de 35 anos, período superior aos 25 anos permitidos pela Lei Estadual das Concessões (Lei n.º 2831/1997). A promessa é que a universalização do saneamento no estado seja alcançada até 2033, algo que pelos próprios termos dos contratos de concessão já não será cumprido. Atualmente as empresas responsáveis pelos serviços são: a AEGEA Saneamento e Participações S.A., a Iguá Saneamento S.A. e a Saneamento Ambiental Águas do Brasil S.A., todas corporações transnacionais associadas ao sistema financeiro internacional. A produção de água - captação e tratamento - segue a cargo da Cedae, que em decorrência da concessão perdeu capacidade financeira, reduzindo o seu quadro de funcionários e poderá enfrentar novos problemas de desabastecimento como os ocorridos em 2019/2020. Além disso, com a privatização, não há dúvida da tendência de aumento da desigualdade no acesso ao direito humano à água e ao saneamento. A prioridade tende a ser a remuneração dos acionistas e investidores, em detrimento de investimentos no atendimento da população que vive em áreas não urbanizadas ou parcialmente urbanizadas, justamente aquela que mais necessita do serviço de saneamento. Nos contratos de concessão da Cedae não há detalhamento de como ocorrerão as metas de universalização do saneamento em favelas. Quando o Caderno de Encargos da concessão aborda as áreas de favelas, “irregulares não urbanizadas ou parcialmente urbanizadas”, estabelece que serão priorizados investimentos de saneamento em territórios que possuam estruturas de urbanização ou planejamento, e maiores condições de segurança pública. As favelas, em sua maioria, não possuem esses requisitos, ou seja, as áreas mais vulnerabilizadas com falta de saneamento básico não serão priorizadas. Portanto, a concessão não garante o atendimento das populações mais pobres, e tal formulação confronta diretamente os princípios dos Direitos Humanos.
Todas essas alterações ocorreram ao mesmo tempo em que a Região Metropolitana Fluminense sofreu eventos climáticos extremos, principalmente com chuvas e estiagens que resultam em elevada vulnerabilidade hídrica. O rio Paraíba do Sul, principal fonte de abastecimento para cerca de 9 milhões de pessoas da região, tem reduzido a sua vazão devido ao assoreamento das suas margens, ao despejo de efluentes industriais e aos longos períodos de estiagem. Com essa configuração urbana, inúmeras famílias ficam desabrigadas por causa das enchentes e deslizamentos, sendo que muitas delas chegam a perder a vida em decorrência dos eventos.
Dadas essas mudanças no cenário nacional e estadual, as organizações da sociedade civil que resistiram à concessão da Cedae e que lutam no enfrentamento das mudanças climáticas viram-se diante de uma oportunidade política de formar a Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde que terá como objetivos:
● Apresentar à sociedade informações de que a concessão à iniciativa privada não garantirá a universalização do serviço de saneamento, contrariando a narrativa de que são as empresas privadas que solucionarão os problemas;
● Desenvolver processos de formação política que conectem saberes acadêmicos e populares e contribuam para agenda de reconstrução democrática do país;
● Desenvolver práticas inovadoras na área de participação e controle social;
● Conectar diferentes sujeitos coletivos que sofrem violações de direitos nos territórios e cidades, buscando alternativas para enfrentá-los;
● Incidir sobre as corporações privadas do setor de saneamento atuantes no Rio de Janeiro;
● Colaborar para que haja o acesso ao sistema de justiça para parcela da população que vem tendo o Direito Humano à água violado;
● Fazer a incidência política sobre os executivos e legislativos federal e estadual no sentido da revisão dos termos da concessão que impedem o cumprimento da meta de universalização dos serviços de saneamento;
● Cobrar das concessionárias privadas, da Agenersa e dos governos estadual e municipais da área de concessão, total transparência sobre os investimentos previstos e a aplicação da “tarifa social” nas áreas nomeadas no contrato como “irregulares não urbanizadas ou parcialmente urbanizadas”;
● Incidir politicamente sobre os executivos e legislativos federal, estadual e municipal para a implementação de políticas de adaptação e mitigação climática.
A formação da Rede também se deve a alguns fatores, como a necessidade de exigir das autoridades a apuração e a investigação sobre a existência de irregularidades no processo de concessão da Cedae à iniciativa privada e no uso dos recursos públicos oriundos da concessão, a ausência de um plano para aproveitamento dos trabalhadores da Cedae e o início da operação das empresas privadas com problemas de toda ordem surgindo nos territórios (como constantes casos de desabastecimento de água, intermitência do serviço, cobrança do serviço de tratamento de esgoto em áreas em que ele não é realizado, dúvidas da população quanto ao valor a ser cobrado após a colocação de hidrômetros, risco de aumento nos cortes de água por ausência de capacidade de pagamento da população mais vulnerabilizadas, incerteza sobre a forma e amplitude da aplicação da tarifa social etc.).
Outros dois fatores que também mobilizaram a articulação da Rede foram:
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a reeleição do governador do estado do Rio de Janeiro para um segundo mandato (2023-2026) e seu alinhamento político com os interesses do capital internacional, demonstrado na intenção de seguir com o processo de dilapidação do patrimônio público da Cedae, “diminuindo os custos da atual Cedae”, o que poderá significar desde “mais demissões de trabalhadores” e “cortes nos gastos no setor de produção de água” até a “venda dos imóveis da Cedae” e a própria abertura de capital da Cedae na bolsa de valores, em favor de corporações transnacionais associadas ao capital financeiro imobiliário;
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a convocação, em agosto de 2022, pela Secretaria da Casa Civil do governo do estado do Rio de Janeiro, dos Comitês de Monitoramento da Concessão dos Serviços de Água e Saneamento dos blocos 1, 2, 3 e 4, do qual fazem parte diversos membros da Rede hoje constituída. Cabe ressaltar que estes Comitês foram criados com mais de um ano de atraso. Segundo o Edital de Concessão do BNDES, em até seis meses após a celebração dos contratos com as concessionárias eles deveriam ser instalados. Outro ponto é que ainda não há clareza sobre quais serão as condições de funcionamento destes Comitês para exercer o controle social, já que a participação das concessionárias nesta instância é facultativa e cabe à Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) o papel de regulação da concessão. Também não foi esclarecido o cumprimento da Lei Federal n.º 13.460/2017, que, em seu art. 18, prevê que participação dos usuários no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços públicos será feita por meio de Conselhos de Usuários.
Dentro deste cenário, há a necessidade de reconfigurar a agenda de lutas pelo Direito Humano à água e ao saneamento na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que precisa passar da “luta contra a privatização da Cedae” à luta pela “reapropriação dos serviços públicos”, assim como precisa superar a “hegemonia do modelo técnico de gestão dos serviços”, que é pouco adequado às áreas de assentamentos precários e à garantia da saúde pública, para um modelo democrático, participativo e descentralizado”. Também é urgente configurarmos a pauta de lutas pelo direito à cidade, incorporando o debate das mudanças climáticas. Assim, a reconfiguração da agenda de lutas pelo Direito Humano à água e ao saneamento exige não só a denúncia da lógica neoliberal de pilhagem dos ativos públicos e da expropriação da natureza que marca a cidade mercadoria, mas, também, de reconhecimento das práticas políticas experienciadas pela população que podem contribuir para a ressignificação do sentido do que é público e do que é direito.
Nesse sentido, a Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde se orienta pelos seguintes princípios:
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não discriminação e igualdade do Direito Humano à água e ao saneamento, ou seja, o acesso a estes serviços pertence a todas as esferas da vida e ninguém pode ser excluído desse acesso;
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responsabilização pelos serviços públicos, cuja essência é equilibrar os poderes entre Estado, setor privado e sociedade civil, a fim de proteger os vulnerabilizados. A Responsabilização é “o meio pelo qual indivíduos e comunidades se apropriam de seus direitos e asseguram que os estados, como principais detentores de obrigações, respeitem, protejam e cumpram suas obrigações internacionais e nacionais”;
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democracia, que é um valor sem o qual não é possível a bom governo, a participação, a transparência, a equidade, a eficiência, a integridade e a responsabilidade, assim como é condição para o enfrentamento das desigualdades sociais e vulnerabilidades hídricas;
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educação popular, que compreende a educação como um processo entre/com pessoas, que rompe com a hierarquia entre os diferentes saberes.
Para conhecer mais sobre a Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, suas ações e dinâmica de funcionamento, entre em contato através do
e-mail: redevigilanciapopular2023@gmail.com.
MEMBROS DA REDE
1. Associação de Moradores e Amigos de Botafogo (AMAB)
2. Associação de Moradores e Amigos de Vigário Geral (AMAVIG)
3. Associação Planeja Terê
4. Casa Fluminense
5. Centro de Ação Comunitária (CEDAC)
6. Coalizão pelo Clima
7. Coletivo Brota na Laje
8. Comunidades Catalisadoras (ComCat)
9. Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA/RJ)
10. Cooperação Social da Presidência da Fiocruz
11. Data Labe (Complexo da Maré)
12. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ)
13. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/FIOCRUZ)
14. Faculdade de Serviço Social da UERJ
15. Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro
(FAM-Rio)
16. Federação das Associações de Moradores Urbanos e Rurais do Município de
Japeri (FAMEJA)
17. Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
18. Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE)
19. Fórum de Mobilidade Urbana do Rio de Janeiro
20. Fórum dos Atingidos pelo Shopping (FORAS/Duque de Caxias)
21. Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro (FPORJ)
22. Fórum Socioambiental Zona Oeste
23. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
24. Grupo Estado, Grupos Econômicos e Políticas Públicas (ECOPOL/UNIRIO)
25. Igreja Batista Ebenézer em Mesquita
26. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ)
27. Instituto Mais Democracia
28. Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS)
29. Laboratório de Estudos de Águas Urbanas do Programa de Pós-graduação
em Urbanismo (LEAU/UFRJ)
30. Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade
(LABPENSO/UERJ-FEBF)
31. Laboratório Visão Coop
32. Liga pela Universalização da participação em Políticas Públicas Ambientais
(LUPPA Rio)
33. Mandato Dep. Estadual Dani Monteiro (PSOL)
34. Mandato Dep. Estadual Flavio Serafini (PSOL)
35. Mandato Dep. Estadual Renata Souza (PSOL)
36. Mandato Dep. Federal Chico Alencar (PSOL)
37. Mandato Dep. Federal Tarcísio Mota (PSOL)
38. Movimento Baía Viva
39. Movimento de União de Bairros (MUB)
40. Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
41. Núcleo de Estudo e Pesquisa em Lutas Sociais (NELUTAS/UNIRIO)
42. Núcleo Independente e Comunitário de Aprendizagem (NICA Jacarezinho)
43. Observatório da Sub-bacia Hidrográfica do Canal do Cunha
44. Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS)
45. Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
46. PT - Iguaba Grande
47. Raízes em Movimento (Complexo do Alemão)
48. Rede de Favela Sustentável (RFS)
49. Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (SENGE-RJ)
50. Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de
Água e em Serviços de Esgotos de Niterói (SINDAGUA-RJ)