A destruição do Cepel continua. Quem paga por isso?
Boletim Linha Viva, do Sintergia RJ, denuncia o inércia da direção do Cepel, que se recusa a procurar fontes alternativas para o financiamento do centro de pesquisas, gradativamente descaracterizado e esvaziado.
Fonte: Sintergia RJ
"O Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) foi criado para ser o 'Centro Nacional de Pesquisas do Setor Elétrico', papel que vem desempenhando há décadas. É o único centro de pesquisas de energia elétrica de âmbito nacional.
Historicamente, é financiado pela Eletrobras, porque esta representava a maior parte do setor elétrico brasileiro, antes dos sucessivos ataques que sofreu. O Cepel tinha, assim, certa autonomia para cumprir sua missão com o país, mas vem perdendo-a, como veremos adiante.
Com sua infraestrutura única no Brasil e a característica de combinar pesquisa aplicada, desenvolvimento de 'softwares' e um consolidado trabalho laboratorial voltado para ensaios de equipamentos elétricos, o Cepel vem sendo deliberadamente desconstituído e desmontado, como já foi denunciando há algum tempo (veja matéria aqui).
Por que isto está acontecendo? Porque prosperou, até se tornar hegemônico dentro da Eletrobras o pensamento neoliberal fracassado em vários países e ultrapassado pelos fatos, de que a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico (P&D) são computados como despesa (e não investimento) e podem depender somente do mercado. Por essa lógica, as tecnologias poderiam até mesmo ser compradas totalmente prontas do exterior, tornando o país tecnologicamente mais dependente e desconsiderando que, mesmo quando se importa uma tecnologia, é necessário P&D para adaptá-la às condições do Brasil, evitando falhas e prejuízos que já ocorreram pela falta destas adaptações.
Ao adotarem esta perspectiva para o futuro do Cepel, as duas últimas direções, comandadas pela Eletrobras, implementaram um processo de “destruição por dentro”, cortando custos na “carne”, encerrando laboratórios e linhas de pesquisa, demitindo profissionais essenciais para o centro e fazendo reestruturações organizacionais mirabolantes. É importante ressaltar que, pela própria natureza do trabalho de pesquisa - dadas as incertezas que lhe são inerentes e que os resultados obtidos
necessitam de processos de médios e longos prazos de maturação -, isto entra em conflito com as visões de curto prazo e imediatistas que caracterizam o modelo neoliberal, e estão empurrando o Cepel para um beco sem saída.
O caminho alternativo seria substituir os aportes financeiros provenientes da Eletrobras, de natureza pública (antes da privatização), por outras fontes, também de natureza pública, que contemplassem os interesses mais gerais da sociedade brasileira, fontes essas colocadas em uma outra perspectiva antagônica à cartilha neoliberal, lutando pra aumentar nossa soberania no campo tecnológico, colaborando com a política de reindustrialização do atual governo e protagonizando o processo de transição energética em curso no plano internacional.
Portanto, podemos afirmar que as duas últimas gestões do Cepel foram altamente deletérias, ao se recusarem a procurar um caminho alternativo para o Centro de Pesquisas na busca de outras fontes de financiamento público, enquanto prosseguiam com o plano de desmonte e descaracterização deste. A Eletrobras não os obrigava a ficarem inertes esperando que o financiamento brotasse da terra ou viesse do mercado. Ao invés disso, adotaram políticas de gestão de curto prazo para
os problemas do Centro e relegaram todas as possibilidades de encontrar uma solução efetiva para o Cepel ao segundo plano. Vale ressaltar que projetos e serviços com a iniciativa privada são bem-vindos, mas não podemos nos iludir que possibilitarão a continuidade do Cepel, como a história recente já mostrou. Ao longo de quase 8 anos, o mercado não deu qualquer sinal de que pode ser a fonte de sustentação do Centro. E nem vai ser, dada às incertezas e riscos inerentes às atividades de P&D. Marianna Mazucatto, uma das grandes economistas da atualidade, já desbancou o mito de que as inovações ocorrem sem suporte e incentivo do Estado, mesmo nos EUA e nas grandes empresas do Vale do Silício (Marianna Mazucatto, O Estado Empreendedor, 2014).
A Diretoria Colegiada (composta por todos os diretores) levou o Cepel a uma situação crítica: demissão de parte dos quadros técnicos mais competentes, perseguição a representantes dos funcionários, com a demissão de dois diretores da nossa Associação de Empregados (a ASEC), desmonte de laboratórios e o projeto de se desfazer da sede estratégica na Ilha do Fundão. Verdadeira liquidação de patrimônio construído ao longo de cinco décadas com dinheiro público (os ativos do Cepel não foram vendidos, pois não fizeram parte da privatização da Eletrobras). Casos de assédio moral não resolvidos pela empresa chegaram ao nosso conhecimento! De que adianta inaugurar um “espaço de convivência” neste clima organizacional tenebroso?!
Como trabalhadores do Cepel e da Eletrobras, só nos resta lutar com todas as nossas forças, mobilizando a categoria dos eletricitários pela retomada do controle estatal da empresa e dessa forma poder encontrar um caminho para o Cepel que não seja a sua extinção. É absolutamente fundamental apurar responsabilidades e omissões que caracterizaram essas pseudodireções das empresas atuando como estafetas de um punhado de especuladores que, usando de todos os meios e manobras fraudulentas (como já demonstrado pelos sindicatos, associações de empregados da Eletrobras e notícias da mídia), se apropriaram da governança de nossas empresas.
Clique abaixo para baixar a edição de 18/7/2023 do Linha Viva,
boletim oficial do Sintergia RJ